Imagine o cidadão que a existência de ambulâncias no INEM, o equipamento de emergência dos bombeiros em qualquer aeroporto ou os meios de diagnóstico nos hospitais dependessem da votação favorável num processo de Orçamento Participativo. É óbvio que tal não faria nenhum sentido já que um processo de Orçamento Participativo, em que projetos são escolhidos e rejeitados, procura ir ao encontro das propostas mais importantes para os munícipes para melhorar o concelho onde moram e não para a aquisição de equipamento tão crítico como os referidos.
Ora desde 2015 o Orçamento Participativo de Cascais serviu para a aquisição
de 25 viaturas para as cinco diferentes corporações de bombeiros do concelho,
em 14 projetos diferentes. A requalificação das instalações e modernização do
equipamento foi contemplada em 9 projetos adicionais. E nas propostas do
Orçamento Participativo de 2022 atualmente a decorrer constam propostas para a
aquisição de outras 5 viaturas e a remodelação das instalações de uma das corporações.
Na prática a Câmara Municipal de Cascais usa o Orçamento Participativo para financiar as corporações de bombeiros (aproveitando, como sempre, a propaganda gerada pelo mesmo) sabendo, à partida, que os projetos apresentados por estas são os que têm mais hipóteses de serem votados favoravelmente dada o número de pessoas que as corporações de bombeiros conseguem mobilizar para a votação.
De notar que os projetos apresentados pelas corporações de bombeiros são aqueles que são mais visíveis e apelativos ao voto favorável (as viaturas), sendo um conjunto de outras despesas (menos interessantes e/ou de valor superior ao montante máximo de cada projeto do Orçamento Participativo) financiadas pela Câmara Municipal de Cascais por via de subvenções.
Esta distorção dos objetivos do Orçamento Participativo não se resume às corporações de bombeiros. Em 2021, cerca de 55% dos projetos vencedores na fase de votação foram propostas a nível individual (por oposto a propostas de instituições como as corporações de bombeiros), mas este valor sobe para 68% nos projetos que não foram vencedores. Na prática as propostas apresentadas por instituições, pela sua maior dimensão, conhecimentos técnicos na sua preparação e capacidade de mobilização, acabam por ter uma grande vantagem em relação a propostas feitas por munícipes a nível individual.
Cascais deveria ter um corpo de bombeiros devidamente equipado, profissional e adaptado aos desafios atuais do concelho de Cascais, sem que o mesmo se tivesse de preocupar em ganhar projetos no Orçamento Participativo para substituir as suas ambulâncias ou veículos de combate a incêndios.
O Orçamento Participativo não devia, por isso, servir para financiar o
equipamento básico de que as corporações de bombeiros necessitam. Igualmente, propostas
de instituições deveriam ser separadas de propostas individuais de munícipes. Só
assim teremos um Orçamento Participativo mais justo e mais próximo dos munícipes.